31 agosto 2013

Preparar a chegada


Viagem

Preparei-te na pedra da casa
asas do pássaro Kalulu
com pedaços de árvores destroçadas pelos raios
e resina quente.
Chamei a metade gémea do espírito
para te passar remédios 
da cabeça até aos pés.

Nu fundo de meu corpo perfeito
escondi
pedaços de argila e feitiços fortes.

Em cada uma das doze cabaças da origem
deitei o vinho dos votos
um pano novo da costa
três missangas azuis
e cera da colmeia menor.

Todos os dias conservei aceso o fogo sagrado
Na hora dos fantasmas
o vento diz-me a tua voz
é a voz das viagens
sem regresso.

Ana Paula Tavares in "Dizes-me coisas amargas como os frutos"

Porque os outros dizem-no melhor do que eu. E a garganta apertada nunca ajudou ninguém a escrever como deve ser. 


19 agosto 2013



A magia perde-se. As pessoas perdem-se. Os amores perdem-se. Gastam-se. Enforcam-se. Matam-se. Sufocam-se. 
E depois vem outro, e mais outro e mais outro e mais outro. E a felicidade pode estar mesmo ao virar da esquina.


É preciso saber voltar.
Naquele dia tudo fazia sentido: a música, o céu cinzento, a calma aparente de espírito, a mudança que se avizinhava. A aceitação e resignação. Ainda assim era a música que lhe lembrava de onde vinha... o que fazia ali... só não sabia para onde ia.
A rosa apaixonou-se pelo cacto.
Compreendia seus espinhos.

Os sonhos não envelhecem.
20's de Maio de 2013

O coração bateu tanto, acelerou tanto, correu tanto... que explodiu.

Ela, morreu ali.
Língua de fora, olhos revirados, ar de parva. 

O outro, riu-se. Mas não foi com uma gargalhada sonora e cantante, mas com um riso condescendente, de desprezo e ironia.
Até ele ter entrado ela tinha-o amado serenamente, secretamente, estupidamente. Ali, sem como nem porquê, sem pré-aviso, ele entra de rompante de braço dado com a loira estonteante e ela, a nossa heroína, não aguentando o impacto, explode-se-lhe o coração. 

Coitada. 
De tanto amar, estupidificou. Petrificou. Infantilizou. E a vida não perdoou. 
Morreu parva, de uma maneira espontânea, arrebatada pela paixão. Afinal, acabou por morrer da maneira como sempre viveu. Apaixonadamente. Livremente. Espontaneamente.

P.S - A culpa é sempre das loiras.
Nem sequer é uma história. É algo insosso e desenxabido que um tótó escreveu numa mesa de café, crendo-se escritor. Intelectual de merda merdica. A caneta vermelha é propositada. É a mandar os outros à merda, devagarinho, com muita subtileza, num vermelho quase rosa, quase claro, quase inofensivo. 

Non sense short-stories

Clermont-Ferrand, 20 e tal de Maio 2013

Viveu toda a vida pensando que era céu. Um dia acordou e era terra e viu que fedia a podre, a batatas e a compostagem! Nunca pensou deixar descendência até que todas aquelas cenouras brotaram de si e largaram um liquido viscoso, untoso e gorduroso. Era pai. Ou mãe? Qual era o seu género? O seu sexo onde estava? Assim de repente viu-se rodeado de pontos de interrogação flutuantes enquanto os olhos se trocavam entre si em movimentos absurdos. Arrotou e morreu. Viveu confuso, o coitado(a?).