22 abril 2013

Viagens na minha terra - Capítulo I

Porto, 22 de Abril de 2013
8h18 a.m.



À mesa deste café barulhento e feio sinto-me em casa. Todos os sons são-me familiares e próximos: a máquina do café que tira meias-de-leite e que faz um barulho absurdo; estas senhoras de meia-idade que se sentaram ao meu lado e que algures ao longo da vida delas esqueceram-se do que é falar baixo e só conseguem comunicar aos berros; o barulho das chávenas nos pires e dos pires no mármore do balcão e das colheres nos pires. Enquanto isso, eu, tento ler desesperadamente uns textos em francês. Não consigo. Sinto uma urgente vontade de descrever todo este cenário à minha volta, de registar isto de alguma forma, para provar que existiu, e que eu vivi e que estive aqui.


Joana

11 abril 2013

História de amor

O braço fundiu-se com a perna.
A perna sorriu. Não estava à espera daquela fusão. Se fosse do pé, ou joelho ou da coxa... ainda vá, agora do braço? Ele sempre lá no alto, tão solicitado e solícito, porquê o súbito interesse na perna? Ela tão mal tratada, com pêlos e varizes, e o braço bem tratado, musculado e cheiroso...
Sem se questionara perna deixou-se ir. Deixou-se amar loucamente e fundiu-se com o braço. No final, já sôfrega e cansada esqueceu-se que a outra perna estava mesmo ali ao lado e que tinha presenciado tudo. A tudo tinha assistido, mesmo sem querer. Mas não tinha mãos para tapar os olhos, então susteve a respiração muito muito muito tempo, as veias incharam, de azuis passaram a roxas, laranjas e pretas até que explodiu. 
A outra perna viu-se a ela mesma com um arco-íris de tinta acrílica derramado sobre si, com cheiro a podridão, o qual teve que suportar enquanto ali permaneceu.
Da promiscuidade

Pesa profunda a profícua poeira
pesa prolongadamente
puxando a perna com a pena
penando pesadamente profundamente
penetrando, proliferando...
pomada primitiva predominando o ar
          e um forte cheiro a maçãs
                 e um suave toque na ida.


29.03.2013
 

Das memórias

Admiro a capacidade que as músicas têm de nos transportar no tempo a uma velocidade impressionante. 
Sem estarmos à espera há emoções, cheiros, bateres de coração mais acelerados que nos levam a tempos perdidos, escondidos, que deixamos caídos a um canto do coração.
Porque é que estamos condenados à saudade e à nostalgia? Trocaria uns meses desta vida por um só dia há uns anos atrás. Um dia. Normalíssimo. Um sábado, talvez.
Os sábados sempre tiveram algo de relaxado, delicioso, divertido, aventureiro. Onde guardamos as memórias? Porque é que elas teimam em sair-nos pelos poros nos momentos mais inconvenientes? 

Descrição de uma cena: Sábado de manhã; mês de Junho; calor; cheiro absurdo a maresia.
Na rádio: Goodbye Stranger - Supertramp

Eu: O que é que estás a fazer?
Ele: Ainda não me esqueci.
Eu: Posso ajudar?
Ele: Agora não. Vou só acabar isto e já saímos.
Eu: Vamos onde?
Ele: Onde quiseres. Mas primeiro tens que me deixar acabar isto.
Eu: Mas isto é para quê?
Ele: Já te disse que ainda não me esqueci.
Eu: O que é que eu faço?
Ele: Esperas que eu acabe.
Eu: Mas assim... sem fazer nada?
(levanto-me e caminho em torno dele, incliono-me, debruço-me, tento compreender o que está a fazer, espreito, meto o dedo no que ele está a fazer, dou meia volta, corro um bocadinho, volto ao mesmo local)
Eu: E agora? Já está? Já podemos ir fazer uma aventura?
Ele: ....
Eu: Já está?
Ele: Sim, onde queres ir?
Eu: Quero ir viver uma aventura.


27.03.2013