29 maio 2013

Viagens na minha terra - Capítulo II

S.Tomé de Negrelos,
30 de abril de 2013, 9.33 a.m.

"Gente da minha terra"

Por estar longe, tantas vezes esqueço-me do que é o verdadeiro Portugal, esqueço-me desta gente, deste interior a pouco mais de 40 km de uma grande cidade, deste ar fresco, dos sinos a rebate a cada 15 minutos e desta genuinidade. Esqueço-me desta gente autêntica e genuína que saúda um estranho como se fosse um vizinho: um bom dia grave e firme, com alguma parcimónia e distinção, mas natural e espontâneo como um gesto de todos os dias. 
Primeiro estranhamos e rimo-nos para nós mesmos: "estas senhoras que não conheço de lado nenhum disseram-me bom dia, que giro!". Depois vemos que todos o fazem e após uns 20 minutos de poiso numa esplanada num café central, o Bom dia torna-se viciante e somos nós, forasteiros em terra alheia que, ávidos desta irmandade coma gente da terra, procuramos sôfregos os olhares e os rostos em busca desse Bom dia com distinção e parcimónia.
Entretanto, na rua calma e povoada de chilreios, passa uma carrinha que perturba a calma aparente do lugar com os cantares ao desafio minhotos que passam nas colunas já antigas e gastas. Na parte de trás da carrinha de caixa aberta: "Zé Batateiro". No interior dois homens muito sérios e compenetrados na estrada e ignorando os cantares aos desafio que berram nas colunas, quem os visse poderia dizer que estariam ouvindo as notícias da rádio Afifense ou  até mesmo o Requiem de Mozart, tal era a postura solene e sóbria.
Neste café, decidi ficar cá fora, na esplanada. Possivelmente estão uns frescos 10 graus. Não há sol e o tempo está enublado. Contudo, eu, pessoa friorenta, optei por ficar do lado de fora. Como se há muito tempo me sentisse "despaísada" e tentasse encontrar alguma ligação à terra; como se há muito tempo não sentisse este sentimento de pertença a algo que não me pertence.
Quando é que pertencemos à terra? Quando é que a terra deixa de nos pertencer? Quando é que deixamos de ser meros viajantes na terra alheia para nos apropriarmos dessa terra? Talvez seja por isso que viajamos. Para pôr à prova a nossa lealdade às raízes, para nos questionarmos diariamente se estamos onde deveríamos estar, se a nossa presença num determinado local influencia de alguma forma o local ou se somos nós que nos deixamos influenciar. Ganhamos o quê ao viajar? Entre o que ganhamos e o que perdemos porque é que optamos sempre por partir? E se aquilo que ganhamos ao partir pudéssemos ganhar ficando? Há quem diga que partir é fácil, difícil é ficar. Eu digo que partir é difícil mas é bom, recompensador, sabe a vitória superada. Ficar é também difícil e sabe a fracasso, a comodismo, como se nos tivesse sido dada a possibilidade de fazermos o que quiséssemos da nossa vida e a estivéssemos a desperdiçar, a vida. 
É por isso que para já, enquanto busco respostas, enquanto tenho força e energia vou optando por partir. Um dia talvez opte por ficar, não sei. 


O que é desistir de alguém?


Abandonar?
Deixar para trás?
Seguirmos o caminho sozinhos?

Eu já desisti de alguém. Desistir tem sabor a fraqueza e a maldade.
Depois, temos que nos perdoar a nós mesmos. E isso custa. Muito. E dói.