02 outubro 2009

A poesia como recolha dos restos da vida



Dedicado a Eugénio, e tantos outros


Ele chegou e sentou-se. Olhou-o como se fosse ao mesmo tempo a primeira e a última vez. Perdido da dúvida da temporalidade do encontro, lembrou-se que tinham gasto as palavras e as mãos à força de as apertarem. Nas esquinas, em esperas inúteis, ficaram os sonhos, esquecidos e pontapeados de vez em quando. E os olhos, esses eram pretos, como sempre o foram, sem peixes, apenas com brilhos fugazes. No entanto, no momento em que se sentou e o encarou, pareceu-lhe a primeira vez. Pareceu-lhe que subitamente o mundo tinha retomado a sua ordem e todas as coisas assumido a sua forma original. Os sentimentos, esses também tinham rapidamente corrido para os lugares temporariamente vagos, enquanto o pensamento e a razão e a estupidez ocupavam cadeiras lado a lado.

Como vieram esses sentimentos ainda hoje não o sabe explicar. Nunca soube. Acho que nunca percebeu, e preferiu nunca questionar o porquê. A verdade é que estavam ali, à procura dos lugares previamente ocupados. Chegaram como um sopro, um vazio estranho e denso que flutua sem gravidade… Há quem diga que foram os cheiros da casa, há quem diga que foram os olhares trocados, há quem diga ainda que foram as fotografias com as pesadas memórias. Ele diz que foi o brilho e a luz primária, aquela da criação. Eu digo que foi o sorriso. Mas eu não estava lá para ver, esta história apenas me foi contada muitos anos depois.

Rapidamente os olhos desviaram-se, as mãos inquietaram-se, suando e procurando sítios absurdos para se esconderem. As palavras… não saíam. Tinha sido gastas, todas elas. Teriam que comunicar de outra forma. Mas não comunicaram. Murmuram-se sons, interrogações e exclamações inaudíveis. Os olhos giravam em todas as direcções, em sentidos estonteantes e tolos. As mãos produziam água e gordura e medo.

Na confusão do silêncio perderam-se novamente um do outro. Tinham noção que o poema era o que melhor exprimiria ambas as sensações naquele momento. Apertaram as mãos como dois bons amigos que eram, a fim de se despedirem. Contudo, houve um acontecimento que os dois não previam: a água das mãos mesclou-se. Fundiu-se e produziu vinho que inebriadamente beberam do corpo um do outro. Lembrando tempos idos, naquele momento, naqueles breves instantes que durou o aperto de mão, amaram-se como o haviam feito até ali. Até que despertaram como em todos os sonhos, fantasias e ilusões. Viraram costas e afastaram-se. Em casa, ambas as esposas os esperavam.

No chão: uma gota de água, levemente rosada e acobreada, com pequenas partículas de gordura, saudade, dor e paixão. Mas essas partículas, um pouco mais pequenas, eram quase imperceptíveis aos mais despercebidos.

Nunca mais se viram, nunca mais se falaram, o “Adeus” ficou sempre com eles, em forma de verso, dobrado em quatro, e trazido no bolso de trás.


Xuanita ®


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